Page 27 - Revista O Sucesso (518)
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Conversando sobre
Seu João
mulheres, então, no meio desse mundo falou anteriormente que o senhor passava. O senhor, como médico, vê
de gente, eu fui logo o primeiro sobrinho, acompanhou bastante o período de essa postura como algo singular ou
o primeiro neto do vovô Joca. Minha mãe tratamento da saúde de Seu João, algo comum?
foi a primeira que casou. Isso, para mim, indo com ele a São Paulo, inclusive. Isso não é comum. Isso realmente é
eu sou supergrato, porque de todos os tios O que aconteceu com o Seu João nos singular. A pessoa até o último momento
eu recebi um carinho muito direto, sem últimos anos? O senhor poderia dividir de convivência, não houve lamento. Se
exceção. E com tio João, então... Do jeito conosco? tivesse um negócio de trabalho para
dele ser, do jeito amigo, do jeito família, do Claro que a pessoa, quando chega a discutir, estaria discutindo. Se tivesse
jeito carinhoso. setenta, oitenta e vai se aproximando de falando sobre alguém da família que vinha
noventa anos, a coisa já não é a mesma. antes do trabalho, estaria falando sobre
O senhor já morou nos Estados Unidos. E nos últimos anos, a gente teve mais alguém da família. O que poderia fazer por
Me valendo desse distanciamento aproximação. E ele já não estava com aquela pessoa, como está, de onde veio,
geográfico e da vivência noutras aquela energia que lhe era peculiar, mas para onde vai e o que é que é preciso...
culturas, como que o senhor percebe sempre cercado de muitos amigos, sempre isso no leito! Ele estava consciente do que
uma pessoa como o Seu João [à luz mantendo sua postura, sua naturalidade estava acontecendo e vivia o momento
de quem morou e teve experiências no de convivência. Mas é certo que foi aos presente.
exterior]? poucos acometido pela doença e que foi
O tio João é aquela pessoa... Ele era uma tomando dele o que o ser humano tem de Como teria sido a partida de Seu
pessoa cosmopolita, certo? Ele também melhor, que é a energia, o fator vital, não João, se estivéssemos em condições
esteve em alguns lugares do mundo, mas é isso? E ele, como sempre, foi uma pessoa normais?
ele era uma pessoa cosmopolita, não muito consciente, inteligente daquele Olha, as coisas de Deus, só Deus sabe
como o mundo, mas como pessoa que momento, de cada momento que viveu. explicar. E eu não sei explicar. O que eu sei
gostava de todo o tipo de pessoa, certo? Ele Desde o início, nos tratamentos e nas é que tio João gostava de duas coisas. Ele
deixava transparecer que, independente viagens... Ele sabia que estava ali dando gostava de uma boa comida, comer bem, e
de qualquer que seja a etnia, qualquer os últimos recados. Sabia que estava ali gostava de gente, de pessoas, de multidão.
que seja a raça, o status da pessoa, ele se olhando aquilo. Seria difícil voltar àquela E quando se foi, nos últimos meses ele não
debruçava e conversava, certo? Então, isso fazenda outra vez. E essa lucidez é que conseguia se alimentar. Eu fui um dos que
são lições de vida muito interessantes. era uma coisa também marcante nele, tentei ajudar nesse sentido, mas, devido ao
Ele era aquela pessoa que não tinha principalmente para mim, que sabia do próprio tratamento, ele não conseguia se
preconceito, tanto do trabalho como estado dele e sabia que ele sabia de tudo. alimentar. Ele tentava,... e queria! E outra
preconceito de raça. O preconceito da vida. A gente conversava nesse sentido, mas coisa: teve um velório o oposto do que
Tinha conceitos formados e vivia esses em hora nenhuma se tratava de lamento. todo mundo imaginava, pela circunstância
conceitos, certo? Então, se via ele parando, Em nenhum momento nós tivemos mundial que a gente viveu e vive ainda
conversando com um popular, com uma alguma exclamação de queixa em função [PANDEMIA COVID-19]. Então, esse ponto
pessoa simples, com alguém que foi amigo da doença, nenhum lamento por isso ou é uma coisa que só Deus sabe explicar.
de infância, mas que não foi afortunado aquilo. Mas, sim, em todos os momentos, Porque o que um dia alguém imaginou que
tanto, vamos dizer, na leitura, como no ele queria aproveitar cada momento. É seria uma coisa apoteótica, foi o que você
trabalho, como sucesso econômico, mas que ali já se sabia que a vida já não era tão viveu e viu. Eu não participei. Foi super-
que, naquele momento, ele se fazia “um” longa quanto a gente deseja para a gente, restrito. Então, é uma coisa que ninguém
com aquela pessoa, certo? E assim chegava principalmente para quem a gente ama, pode olhar o que tem no dia seguinte.
em Uiraúna, em Luís Gomes, em Cajazeiras, para quem a gente quer. E muito, mas Existe uma noite no meio, e é escura! Todos
lá em Teresina, aqui em Campina Grande, muito forte disso tudo era ver ele sempre nós que convivemos, que conhecemos, que
e ia fundo nas raízes e se sentava no firme, e em momento nenhum houve fizemos alguma suposição, todos erraram,
meio-fio, conversava com todos. Então, reclamação. Pelo contrário. Houve vontade e Deus aprontou essa. Foi vontade de Deus.
isso realmente eu acho que caracteriza de estar melhor, de aproveitar bem o que E mais do que qualquer enterro apoteótico,
aquela pessoa que gosta de gente, que é Deus estava dando de sobrevida. tio João está deixando um legado no
humanista acima de tudo. coração de todas as pessoas que tiveram o
O senhor sempre reforça que ele privilégio da convivência, de trocar carinho,
O Dr. João Júnior [JOÃO CLAUDINO não se deixava abater pela doença, de trocar ideia... no fim, todos tiveram ali
FERNANDES JÚNIOR, filho de Seu João] me ele tinha consciência de tudo que se um aprendizado.
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Informativo Circulação Interna O SUCESSO I Setembro 2022
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